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quinta-feira, 25 de março de 2021

DISTANCIAMENTO SOCIAL

A  distância entre os militares e civis é instituicional. Assim como a dos políticos para os demais. Destarte, temos três realidades diferentes. O Brasil que um sofre, pra outro é deleite. A ordem é  que o político se deite, e os militares se levantam pra que o povo aceite. O pior para alguns é o melhor para os tais. E contarmos com  aqueles para que isto mude, tem algo de rude pensar. Os militares, tendo seu sofrimento atenuado pela política, estão aqui, segundo a constituição, para garantir sem crítica tal Ordem de realidades desiguais. Portanto, deve se lhes assegurar uma certa isenção do sofrimento em miseráveis momentos que ameaçam a insurreição popular. O direito é sofisticação do chicote, disfarce da lei do mais forte que reina entre os animais. Aqui isto é menos velado que em outros locais: Conversa-se, codificam-se as práticas legais... Como   se constituindo com folhas e mais folhas a moita, os matagais... onde o lobo se afoita comendo a lebre de trás.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

O ATOR

Para trás, cenários opacos, ainda que textos esquecidos e atuações apagadas, personagens... Adiante, falas indecisas, imprecisas, cenas esboçadas que não se sabe se terão oportunidade no espetáculo, ainda personagens... Só no presente a vida semipronta com pouca ou nenhuma sabedoria útil, despreparada, a libertar-se de figurinos. Sem roteiro ou gestos certos. Todas as atuações postas fora, algumas arranhando em resistência a desapegar-se do corpo que tanto usaram, outras atirando o corpo no canto, magoadas, outras já esquecidas... Prazer e dor num mesmo enxoval...  No agora duro, perplexo frame desperdiçado pela plateia, nu, em frente ao espelho iluminado do camarim, solitário, ator sem fala, semblantes despedidos, herda dos finais feitos, cortinas cerradas, de todas as vidas e mortes encenadas, o rosto insosso e mudo... Desfalcado do tempo, paralisado, suspenso no instante, nem um piscar de olhos, resigna-se à maquiagem para improvisar, sem cartaz, com a morte.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

TRISTE TEMPO CLARO

a manhã caiu sobre nós
como uma cachoeira ácida de luz,
a beleza escoou de nossos corpos para o ralo
do tempo esquecido,
e risos de escárnio escorreram por nossa pele,
magros desistentes,
como num banho que sujava.

os risos se esfregaram em nós,
entupiram nossos ouvidos...
na nossa cabeça habitavam homens de costas
como fantasmas assombrados por nossa existência.
numa oração cotidiana, confabulavam com deus
para estourar nosso crânio
em nome de sua liberdade merecida.

ansiavam por esta saída entoando músicas fúnebres:
deixando-nos adivinhar entre gargalhadas doentias
os nomes dos nossos pronunciados em suspiros esperançosos
de os colocar em féretros sem identificação,
ouça bem senão se entretém talhando deboches em suas lápides:

e quando anoitecer sobre os que restarem vivos,
vivos apenas por um olhar inútil arregalado na escuridão,
esses nunca mais poderão
imaginar o bem nos próximos
e terão maior horror ainda pela manhã seguinte.

desconfiaremos de cada suspiro,
cada barulho lembrará um amigo esfaqueado.
desconfiaremos das falas, dos gritos,
nossos braços serão pétalas caídas dos abraços...
um choro de criança insone será traduzido
em  taquicardia por um filho nosso desaparecido.
Deus será a voz de um vento frio indiferente
que soprará a morte como consolo em nossa esquizofrenia.

até o dia em que nossos rostos retorcidos expressionistas
serão expostos no centro das cidades
numa galeria repleta de entusiastas
do horário do almoço:
tranquilos, frios levianos que ali gozam
de uma cidade rendida e silenciosa:
depois se apressarão no "toc-toc",
cidadãos metidos em sapatos brilhantes:
"toc-toc!" - ganham novamente a rua,
afoitos pelo apetite aberto.


doravante não podemos discordar do quão magnífico
será estarmos mortos.