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terça-feira, 23 de outubro de 2018

TRISTE TEMPO CLARO

a manhã caiu sobre nós
como uma cachoeira ácida de luz,
a beleza escoou de nossos corpos para o ralo
do tempo esquecido,
e risos de escárnio escorreram por nossa pele,
magros desistentes,
como num banho que sujava.

os risos se esfregaram em nós,
entupiram nossos ouvidos...
na nossa cabeça habitavam homens de costas
como fantasmas assombrados por nossa existência.
numa oração cotidiana, confabulavam com deus
para estourar nosso crânio
em nome de sua liberdade merecida.

ansiavam por esta saída entoando músicas fúnebres:
deixando-nos adivinhar entre gargalhadas doentias
os nomes dos nossos pronunciados em suspiros esperançosos
de os colocar em féretros sem identificação,
ouça bem senão se entretém talhando deboches em suas lápides:

e quando anoitecer sobre os que restarem vivos,
vivos apenas por um olhar inútil arregalado na escuridão,
esses nunca mais poderão
imaginar o bem nos próximos
e terão maior horror ainda pela manhã seguinte.

desconfiaremos de cada suspiro,
cada barulho lembrará um amigo esfaqueado.
desconfiaremos das falas, dos gritos,
nossos braços serão pétalas caídas dos abraços...
um choro de criança insone será traduzido
em  taquicardia por um filho nosso desaparecido.
Deus será a voz de um vento frio indiferente
que soprará a morte como consolo em nossa esquizofrenia.

até o dia em que nossos rostos retorcidos expressionistas
serão expostos no centro das cidades
numa galeria repleta de entusiastas
do horário do almoço:
tranquilos, frios levianos que ali gozam
de uma cidade rendida e silenciosa:
depois se apressarão no "toc-toc",
cidadãos metidos em sapatos brilhantes:
"toc-toc!" - ganham novamente a rua,
afoitos pelo apetite aberto.


doravante não podemos discordar do quão magnífico
será estarmos mortos.








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